29 de mar. de 2007

Maria-Helena Vieira da Silva



Testamento




Um azul cerúleo para voar alto.
Um azul cobalto para a felicidade.
Um azul ultramarino para estimular o espírito.
Um vermelhão para o sangue circular alegremente.
Um verde musgo para apaziguar os nervos.
Um amarelo ouro: riqueza.
Um violeta cobalto para o sonho.
Um garança para deixar ouvir o violoncelo.

Um amarelo barife: ficção científica e brilho; resplendor.

Um ocre amarelo para aceitar a terra.
Um verde veronese para a memória da primavera.
Um anil para poder afinar o espírito com a tempestade.
Um laranja para exercitar a visão de um limoeiro ao longe.
Um amarelo limão para o encanto.

Um branco puro: pureza.

Terra de siena natural: a transmutação do ouro.

Um preto sumptuoso para ver Ticiano.

Um terra de sombra natural para aceitar melhor
A melancolia negra.
Um terra de siena queimada para o sentimento
De duração.

Maria-Helena Vieira da Silva
(1908-1992)


Contribuição: Jugioli

28 de mar. de 2007

Baladilha de quarta


(acesse na imagem para ler o poema)
Contribuição de Liana para o contraponto

18 de mar. de 2007

Confidências




Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça e contar histórias ricas
que ainda não viajei!

Traze tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue, sanque!
verdadeiro, encarnado!

Mãe, passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens
e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!

Eu vou viajar. Tenho sede!
Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor
os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tua a coseres e eu a contar-te as minhas viagens,
aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei,
escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos as minhas e dá um nó-cego
muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa.
Como a mesa.
Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente
para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão
pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo
tão verdade!


Almada Negreiros ( in Antologia da Poesia Portuquesa)

5 de mar. de 2007

Emily Dickinson


Uma palavra morre
Quando é dita
Dir-se-ia
Pois eu digo
Que ela nasce
Nesse dia.
Ilustração: Mira Schendel


tradução aíla de oliveira gomes

A word is dead
When it is said,
Some say.
I say it just Begins to live
That day.

Enviada por Liana