6 de fev. de 2007

Cecília Meireles


Por que me falas nesse idioma?
perguntei-lhe, sonhando.
Em qualquer língua se entende essa palavra.

Sem qualquer língua.

O sanque sabe-o.
Uma inteligência esparsa aprende
esse convite inadiável.

Buzios somos, moendo a vida inteira,
essa música incessante.

Morte, morte.

Levamos toda a vida morrendo em surdina.

No trabalho, no amor, acordados em sonhos.

A vida é a vigilância da morte,
até que o seu fogo veemente nos consuma
sem a consumir.


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MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
Se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei.
Não sei se fico ou passo.
Sei que canto.
E a canção é tudo.
Tem sangue eterno, a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:- mais nada.




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Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 1901. Concluiu, em 1917, o Curso Normal, e passou a trabalhar como professora primária. Dois anos depois publicou Espectros, seu primeiro livro de poesia, de tendência parnasiana. Seguiram-se Nunca Mais... e Poema dos Poemas (1923) e Baladas para El-Rei (1925), nos quais já aparecem elementos simbolistas. A partir de 1922 aproximou-se das vanguardas modernistas, principalmente dos poetas católicos. Em 1938 ganhou o Prémio de Poesia, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Viagem. Nos anos seguintes, conciliou à produção poética os trabalhos de professora universitária, tradutora, conferencista, colaboradora em periódicos, pesquisadora do folclore brasileiro. Publicou também poesia infantil. A Academia Brasileira de Letras concedeu a Cecília, postumamente, o Prémio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, em 1965. Faleceu em 1964. »

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